HISTÓRIA DA ÁREA DAS MALVINAS

 

 



ELO PERDIDO, DEPOIS JARDIM NOSSA LUTA, HOJE MALVINAS, RÁPIDAS INFORMAÇÕES TIRADAS DA MEMÓRIA 

Autor: Cláudio Ronaldo Barros Bordalo1

O Professor Augusto Renato (Augustão), iniciador do grupo, MOVIMENTO CULTURAL I LOVE SACRAMENTA, me pediu que escrevesse algumas linhas sobre minha atuação no surgimento da área hoje denominada de Malvinas, aqui do bairro da Sacramenta. Como dito acima, serão informações que mesmo passados quase 40 anos ainda estão na minha memória. Na época, até por ser muito jovem (18 anos) e também por não ter tido esse interesse, não fiz anotações acerca da atividade que desenvolvi, nem registros do que foi realizado na área. 

Inicialmente tenho de esclarecer que aquela área era parte integrante da área da União, administrada pela Aeronáutica, onde existia grande conflito com os moradores, visto que embora ocupassem a área há muitos anos, eram impedidos de realizar reformas em suas casas e eram vigiados por rondas constantes de JEEPs com militares armados da Polícia da Aeronáutica – PA2 . A intenção era forçar os moradores a desistir e deixar a área à disposição à construção de conjuntos habitacionais para militares daquela força, o que devido a resistência dos moradores, organizados em seu Centro Comunitário3 , veio a ser construído na avenida Dr. Freitas, próximo de onde hoje se encontra instalado o HANGAR, antes área também administrada pela Aeronáutica. 

Fruto de anos de luta conseguimos a retirada da área da administração da Aeronáutica, passando para o então Banco Nacional da Habitação – BNH4 , com a determinação de regularização dos terrenos em favor dos moradores, o que foi realizado. 

Ocorre que como a liberação da área ocorreu em Brasília, veio junto uma outra faixa de terra, que nós do Centro Comunitário não tínhamos conhecimento. Enquanto o processo de regularização em favor dos moradores era realizado na área mais antiga algumas pessoas, não sei se sabedores de que constava da área liberada, realizaram desmatamento por perto do então final da Rua Fortaleza e fizeram a montagem de armações precárias. A Aeronáutica, através da famigerada PA, quando informada foi lá e agiu como se área ainda estivesse sob a sua administração, usando de violência. Os ocupantes procuraram o Centro Comunitário 1º de Setembro, então presidido pelo Sr. Carlito Moura5 , já falecido. Este colocou a matéria em   


__________________________

1 Advogado, ex-Secretário do Centro Comunitário 1º de Setembro, ex-Diretor da Comissão dos Bairros de Belém – CBB, ex-Presidente do PT/Belém; ex-Presidente e atual vice-Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB-Pa, Membro há 05 mandatos do Tribunal de Ética da OAB/PA., Conselheiro da Cidade do Tá Selado no Setor de Direito e Bem Estar Animal; Presidente do Bloco Chupicopico. 

2 O Carlinhos, que era da Pastoral da Igreja e o Sebastião Henrique (Bazinho) que era de nosso movimento jovem chegaram a ser presos enquanto mobilizam para uma Assembleia que seria realizada na igreja de São Sebastião. Outro fato marcante foi a derrubada do telhado da Loja do seu Miranda, na Senador Lemos, ao lado da Casa Amarela, a marretadas por militares da PA, porque foi flagrado fazendo consertos. 

3 Centro Comunitário 1º de Setembro, localizado na rua do mesmo nome. Além disso foi marcante o apoio da Igreja de São Sebastião então da ala progressista, através dos Padres Cruzios João Beukenboom eThiago, de uma entidade de Assessoria denominada CEPEPO através das educadoras Aldalice Oterloo e Madalena, da Federação de órgãos de Assistência Social e Educacional – FASE, da Comissão dos Bairros de Belém- CBB através da Lula pelo Direito de Morar; dos Deputados Federais do MDB Jader Barbalho e João Marques (já falecido) fundamentais no tratamento da questão em Brasília, e principalmente a resistência da população.

 4 Esse banco posteriormente veio a ser extinto, sendo o seu patrimônio e atividades incorporadas à Caixa Econômica Federal. 

5 Eu fazia parte da diretoria no cargo de Secretário. Tínhamos também a participação ativa no Centro do Carlos Augusto (hoje Guto da Fetagri), do Jorge Pires Bastos (hoje Professor Jorginho). Erámos do JUPS (Juventude Unida da Primeiro de Setembro), grupo jovem ligado à Igreja de São Sebastião, que fomos incentivados a participar da luta pela moradia na área que morávamos.


discussão na Diretoria que resolveu ir em apoio aos ocupantes, tendo procurado a equipe do BNH que atuava a área, que levou o assunto ao conhecimento da direção estadual do banco, que determinou a imediata saída da PA daquela área. Além disso, atendendo pleito do Centro Comunitário, decidiu que a área deveria ser ocupada por pessoas carentes, repassando à entidade comunitária a tarefa de realizar essa seleção, tendo contribuído com uma planta onde ficaram definidas as ruas6 , áreas destinadas à equipamentos comunitários e lotes.7

Como a área era quase que completamente coberta por mata, a Assembleia do Centro Comunitário decidiu que teria direito a um lote aquele/a que trabalhasse no mutirão de desmatamento da área, realizado aos domingos, onde uma equipe de homens entrava na mata, sob a coordenação de um dos diretores do centro8 , para desmatar, tomando por base a planta fornecida pelo BNH e outra equipe, constituída pelas mulheres e homens mais idosos, ficava do lado de fora preparando a sopa, café e fazendo chegar água àqueles que estavam realizando o desmatamento.

Esses mutirões iniciavam por volta das 08h e iam até um pouco depois das 12h. Algumas vezes era difícil de ir devido a forte ressaca9 . Acredito tenham sido mais de 03 anos de realização de mutirões. Eu já saia de casa com o meu terçado, bota e fita métrica de muitos metros.

Embora com a planta foi grande a dificuldade enfrentada para definir a direção das ruas devido não termos equipamentos. Tudo foi no denominado “olhômetro”. No início dos trabalhos se marcava a largura da rua, conforme definida na planta e se passava a marcar as arvores de seus limites, sendo que as que ficavam dentro seriam derrubadas. A partir dai as equipes vinham abrindo “bocas” nessas últimas e uma última equipe, após retirar todos da linha de queda, derrubava uma grande sobre essas que tinham as “bocas”. Era um processo parecido aquele de colocar pedras de dominó uma atrás da outra e depois derrubar a última sobre a penúltima, que cai sobre a antepenúltima e assim por diante, com a diferença do tamanho e peso. Era um grande estrondo. Certa vez quase ocorria um desastre pois a pessoa encarregada de derrubar a última, por ter tomado mais do que devia, a derrubou sem antes avisar. Foi um “Deus nos acuda” caindo arvores por todos os lados, mas felizmente ninguém ficou ferido. Em outro ocasião, um dos participantes do mutirão, salvo engano seu Modesto, mergulhou na água (lá em grande parte era alagado) nos assustando, e voltou com uma cobra morta e dizendo que a mesma era venenosa e que iria nos atacar. Outra vez, um da equipe foi ferrado nas costas por uma aranha com aspecto de caranguejeira e gritava de dor, tendo sido retirado e levado ao Pronto Socorro onde somente após tomar uma vacina parou de gritar. Lembro também de outra vez em que um deles, que era gráfico, e devia ter uns 140 quilos, ficou “doidão” e não conseguia subir nos troncos de árvores para sair da área. Foi outro “Deus nos acuda” pois teve de sair carregado, mas conseguimos tira-lo.

Conforme as ruas iam sendo abertas o Presidente do Centro e outros Diretores realizavam a metragem e divisão dos terrenos tomando por base as informações contantes da planta fornecida pelo BNH, e tomando por base a lista de participação nos mutirões, em Assembleia do 


____________________________

6 Ruas existentes na área. 

7 Nesse processo, sem que soubéssemos, o BNH passou a área mais próxima da Júlio César para a Aeronáutica para que assentasse seus servidores, o que foi feito, inclusive onde está o CASOTA (Clube de Cabos, Soldados e Taifeiros da Aeronáutica). Tem-se então que a grande maioria foi assentada pelo CC e a menor parte pela própria aeronáutica. Foram destinadas áreas para equipamentos comunitários como praça, associação de moradores e escola, nessa ultima a atual Escola Estadual de Ensino Fundamental Esther Bandeira. 

8 Eu coordenei acredito que a maioria desses mutirões.

9 Algumas vezes os companheiros e outras a minha então namorada, de nome Laide Galibi, também da Diretoria do Centro, tinham que me acordar. 


Centro, repassavam uma ordem de ocupação assinada pelo Presidente do Centro para cada um10. A partir dai os/as da mesma rua estavam autorizados e começavam a desmatar os seus terrenos e a fazer pontes provisórias com tábuas pregadas em cima das árvores derrubadas no mutirão. Me parece que pontes mais permanentes foram colocadas pelo então governador Jader Barbalho. 

Não sei dizer o número de famílias que foram assentadas, mas deve ser bem mais de mil. 

A quem circula atualmente na área, embora existam muitos problemas a merecer a atuação do poder público, principalmente municipal, é difícil imaginar que a mesma já foi como que narrei acima. 

Na época dos mutirões, em razão de suas características de mata, a área era denominada de “Elo Perdido” 11. Em assembleia do Centro Comunitário foi denominado de “Jardim Nossa Luta”, mas esse nome não pegou. Se consolidou o nome “Malvinas”, me parece dado pela Prefeitura de Belém durante a administração Edmilson Rodrigues. 

Em assembleia do Centro Comunitário, ao final dos trabalhos de mutirão, realizada para definir os nomes das ruas, decidiu-se por consenso homenagear aqueles que atuaram para que a área se tornasse uma realidade. Eu, Guto e Jorginho fomos homenageados, além do Padre João da Paróquia de São Sebastião, o então já então ex-deputado federal João Marques, funcionários do BNH, algumas pessoas que trabalharam no mutirão e diretores do centro. A rua que possui o meu nome era o caminho que dava acesso da Pedro Alvares Cabral até o então Igarapé da hoje empresa Facepa Suzano.

Infelizmente não possuo registros em imagens (fotos) pois na época em que esses fatos ocorreram isso era caro. Talvez exista nos arquivos do CEPEPO, que parecem estar na biblioteca popular que o mesmo mantinha na Rua 25 de junho, no Guamá, que foi assumida pelas lideranças da área.


Belém(Pa.), 07/12/2023. CLÁUDIO BORDALO 



_____________________________

10 Até hoje esse é o único documento que a maioria dos moradores possui, tenham recebido no CC ou recebido da pessoa que adquiriu a posse do terreno. Até hoje os terrenos não foram regularizados em nome dos moradores, e segundo informações, está sob responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Metropolitano – CODEM, da Prefeitura de Belém, tendo-se se iniciado durante a administração do Prefeito Zenaldo Coutinho, sendo que uma grande assembleia foi realizada no Clube CASOTA, em 07/12/2018, mas o processo foi logo paralisado. Recentemente, o Prefeito Edmilson Rodrigues, em conversa com os moradores durante a assinatura da ordem de serviços da retomada da obra da Creche na área, quando recebeu documento dos moradores nesse sentido, assegurou que a regularização será realizada em seu governo. Sinceramente eu espero que seja feito. 

11 Isso em razão de um seriado que passava na televisão.


Muito Obrigado Cláudio Bordalo


MAIS SOBRE A ÁREA AINDA ESTÁ EM PROCESSO DE

 PESQUISA E REDAÇÃO


EM BREVE AQUI !

Nenhum comentário:

Postar um comentário